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Uma eterna curiosa. E uma amante da vida, em sua mais pura expressão.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Le Fabuleux Destin D'Amélie Poulain



Filme francês lançado em 2001, dirigido por Jean-Pierre Jeunet, aclamado pela crítica e indicado ao Oscar em cinco categorias, a saber: Melhor Direção de Arte, Melhor Fotografia, Melhor Som, Melhor Roteiro Original e Melhor Filme Estrangeiro, esse filme revisita o melhor da produção cinematográfica francesa. Foi também indicado ao Globo de Ouro na categoria Melhor Filme Estrangeiro. No ano seguinte, 2002, Audrey Tautou ganhou o prêmio Adoro Cinema na categoria de Melhor Atriz Revelação.
Nesse clássico do cinema alternativo, Jeunet reúne Audrey Tautou (Amélie Poulain) e Mathieu Kassovitz (Nino Quincampoix) numa sucessão de trivialidades e acasos sob a criativa condução de um narrador extremamente detalhista e dotado de um humor fino e fugaz, que se entrelaça com as pequenas nuances da personalidade de cada peça da trama e envolve o espectador de forma natural e vertiginosa.
Pareidolias da pequena Amélie


Exaltando os pequenos prazeres, Jeunet cria e Audrey personifica de forma genial uma moça que se detém em pequenas coisas e por elas se completa. Seus prazeres envolvem quebrar a camada superficial do doce com a colher, atirar pedras na superfície da água ou enfiar a mão num saco de grãos.
Utilizando-se de toques que margeiam o mundo da fantasia para explicar o mundo da realidade, Jeunet desenha cenas mágicas, cheias de metáforas e com diálogos que explicitam bem esse aspecto, principalmente os que Amélie trava com o "homem de vidro", que a compara com uma personagem de um quadro de Renoir (O almoço dos barqueiros), uma menina que segura um copo d'água, em uma cena em que Amélie também segura um copo.


As metáforas prosseguem e o homem misterioso vai aos poucos ajudando Amélie a descobrir mais sobre a menina que se privou de si mesma a vida toda em prol de outras pessoas.
Uma das mais belas imagens criadas pelo diretor é a personificação dos sonhos do senhor Raphael Poulain por parte do anão de jardim, mediada, é claro, pela criatividade de Amélie. Mais tarde, o próprio senhor Poulain encarnará o espírito nele reprimido de conhecer outros horizontes.

Dificilmente alguém sabe informar acerca de que o filme fala. Toda essa mistura de fantasia e realidade vai, ao longo da trama, levar Amélie a descobrir-se apaixonada e, a partir de então, lutar por um amor que pudesse completá-la mais que a dedicação a promover a felicidade das outras pessoas. É o único momento em que ela se mostra egoísta.

A grande mensagem do filme vem da sabedoria do homem de vidro, que, através de metáforas, adverte Amélie de que uma oportunidade perdida pode nunca mais se repetir e que vale a pena seguir rumo ao seu objetivo. Amélie o faz, como era de se esperar, de uma forma recheada de mistério e beleza.

Buscar o amor verdadeiro é a forma mais leal de se viver. Leal consigo e com o mundo ao seu redor.



"Sans toi les émotions d'aujourd ne seraient que la peau morte des émotions d'autrefois" [Sem você as emoções de hoje seriam somente a pele morta das emoções do passado]

domingo, 17 de outubro de 2010

My sister's keeper

     Filme de 2009, dirigido por Nick Cassavetes, My Sister's Keeper (Uma prova de amor) é baseado no romance de Jodi Picoult, e conta a história de uma família envolvida numa árdua luta contra a Leucemia da filha mais velha, Kate Fizgerald, interpretada por Sofia Vassilieva. O elenco é caprichado e conta com a atuação memorável de Cameron Diaz no papel da desesperada mãe de Kate, Sara Fitzgerald, capaz de tudo para devolver a saúde à filha.
      Uma cena de grande destaque é quando Sara raspa o cabelo porque Kate se nega a sair de casa, pois se diz feia e que todos olhariam para ela de espanto, pena ou curiosidade.
     A trama do filme é envolvente porque aborda vários aspectos das relações familiares. Inicialmente, somos convidados a compreender o motivo do nascimento da filha mais nova, Anna (Abigail Breslin). Ela nos explica que tudo foi um processo de Seleção Genética, que permitiu que o embrião obtido por Fertilização In Vitro (o conhecido método de bebê de proveta) que apresentasse uma carga genética compatível com Kate fosse escolhido e, em seguida, implantado. Dessa forma, ela seria capaz de prover-lhe células sanguíneas, medula óssea e outros tecidos dos quais ela viesse a necessitar. A trama evoluiu com a progressão da doença de Kate, inclusive com comprometimento renal e falência, vindo a irmã a precisar de um transplante renal. Nesse momento, Anna entra com um processo judicial para ser autônoma o suficiente e negar a retirada de seu rim. Nesse aspecto o público se divide e se confunde e acaba julgando Anna egoísta, por ela se negar a se submeter a procedimentos invasivos em prol da possibilidade de melhora clínica, mesmo que discreta, da sua irmã.
     Mas olhar por esse lado é ser demasiadamente simplista, pois, por trás de cada personalidade, há uma vivência particular sobre o adoecer e o enfrentar da morte. Para Sara, o mais importante sempre foi salvar sua filha, não importa o quão longe tivesse que ir. Seu desespero a guiou para a saída de seu emprego como advogada e à dedicação total à batalha de Kate contra a Leucemia. Por sua personalidade forte e envolvente, acabou arrastando toda a sua família nesse objetivo. Observamos, durante toda a trama, a desestruturação da família Fitzgerald, em que não se observa mais o vínculo marital per si, apenas os vínculos materno/paterno e fraternos polarizados à Kate.
     Outro aspecto fundamental e muito bem ilustrado é a necessidade de paliação na fase terminal de uma doença, de oferecer qualidade de vida ao paciente por quem não se tem mais nada a fazer. Os aspectos psicossociais de se abordar uma patologia não podem nem devem ser substituídos pelo modelo biomédico e técnico.
     O mérito do filme não é levar a conclusões, mas fazer refletir, pois cada um tem uma visão acerca do enfrentamento do processo de perda, e não seria justo afirmar que Sara estava errada ou certa ao exaurir os recursos da Medicina em busca da cura de sua filha estimada.
     A cena destaque, por sua beleza e dificuldade de desempenho, é a cena em que Kate flerta com Taylor (Thomas Dekker) durante a sessão de quimioterapia e é observada por Sara, sua mãe. Cameron Diaz consegue se entregar totalmente ao papel, dirigindo um olhar materno aos dois, transparecendo toda a emoção necessária, sem excessos.
      O enredo final do filme, contudo, distancia-se do livro em vários pontos, inclusive no desfecho (o qual obviamente não será comentado aqui).
     Um dos filmes mais lindos que já assisti.


domingo, 19 de setembro de 2010

Remember me (Lembranças)

     Filme de 2010, "Remember me" traz a revelação e febre adolescente Robert Pattinson num papel mais técnico e menos belo. Dirigido pelo pouco conhecido Allen Coulter e com roteiro de Will Fetters, é uma boa escolha para se assistir numa tarde calma.

     O elenco é caprichado: Pattinson, o protagonista, está em ótima forma, aproveitando o sucesso alcançado com a saga Crepúsculo e alavancando uma carreira mais sólida com um papel mais dramático; Emilie De Ravin, que interpretou a personagem Claire no seriado Lost, é Ally Craig, a protagonista feminina e apresenta-se muito bem nesse papel de maior destaque da sua carreira recentemente iniciada (1999); o policial Niel Craig, pai de Ally é interpretado por Chris Cooper, que tem em seu currículo um Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por seu papel em "Adaptação"; por fim, um dos intérpretes mais charmosos de 007, Pierce Brosnan é Charles Hawkins, o pai do personagem de Pattinson, um executivo importante que sempre negligencia sua família.

     Pattinson é um dos produtores executivos da trama.
     O filme versa acerca de relações familiares rompidas e não resgatadas, sobre a dificuldade de reverter situações traumáticas no período da infância e as repercussões dessas na vida adulta e na construção da personalidade.

     A crítica se posicionou medianamente. É um filme que tem por finalidade o entretenimento, mas com um tom suave, apesar de ser propositadamente carregado em seu conteúdo emocional.

     "A moral define o caráter pessoal. E a ética, os padrões de conduta que um grupo privilegia".
     Boa opção para assistir em boa companhia.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

KILL BILL VOL. 1 (2003) E VOL. 2 (2004)

     O quarto filme de Quentin Tarantino, a série "Kill Bill", é de "leitura" obrigatória aos amantes da sétima arte. São verdadeiras obras de arte. São puros e essencialmente representativos do estilo Tarantino de dirigir e escrever roteiros. A ausência de ordenação cronológica, o evidente excesso de violência e a linguagem crua, além da criativa divisão em capítulos e divisão das cenas em quadros tornaram os filmes de Quentin Tarantino simplesmente inconfundíveis.
      A saga Kill Bill, originalmente filmado como um único filme que durava quase 4 horas teve que ser dividida em dois filmes, mas é muito claro que se trata de um continuum sem as especulações que as séries milionárias apresentam. Kill Bill vol.2 não nasceu de Kill Bill vol.1, muito menos após esse filme. Ao contrário, ambos são gêmeos nascidos dos mesmos genitores e na mesma época (e, assim como acontece com gêmeos, um sempre nasce um pouco antes que o outro; guardadas as devidas proporções, a comparação se faz verdadeira e oportuna)
     A interpretação de Uma Thurman, fantástica nas duas produções, rendeu a Beatrix Kiddo (a noiva) um lugar entre os 100 maiores personagens de filmes de todos os tempos, segundo a Empire Magazine, importante publicação britânica mensal sobre cinema.
     Em Kill Bill vol.2, o destaque é de Daryl Hannah, que interpreta Elle Driver, uma assassina que tem como codinome 'California mountain snake' e expressa de forma incrivelmente simples a maldade com a qual mata o ex-companheiro de matadores profissionais (conhecidos como 'Deadly Viper Assassination Squad') e irmão de Bill, Budd (Michael Madsen).
     Relatando a história de uma noiva perseguida até às margens da morte, o filme ressalta do que uma mulher determinada é capaz para conseguir sua vingança. Postulando que "Revenge is a dish best served cold", Tarantino nos leva aos passos que Beatrix seguiu, de forma genial, em direção aos seus carrascos, levando seu ódio às últimas consequências.
     Em Kill Bill, o expectador torce pela morte de Bill, interpretado por David Carradine, que só tem aparição efetiva no segundo filme, e se envolve com o ódio e desejo de vingança da noiva o tempo todo.
     Se Beatrix consegue seu objetivo: matar Bill, tem que assistir para descobrir, mas uma coisa é certa, são dois clássicos modernos de valor inestimável.

ELENCO:
O-Ren Ishii (AKA Cottonmouth): Lucy Liu
Vernita Green (AKA Copperhead): Vivika A. Fox
Gogo: Chiaki Kuriyama
Hattori Hanzo: Sonny Chiba
Sofie Fatale: Julie Dreyfus
Rufus: Samuel L. Jackson
Budd (AKA Sidewinder): Michael Madsen
Pai Mei: Gordon Liu
Elle Driver (AKA California Moutain Snake): Daryl Hannah
Bill (AKA Snake Charmer): David Carradine
B.B: Perla Haney Jardine
Beatrix Kiddo (AKA The Bride; AKA Black Mamba; AKA Mommy): Uma Thurman

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Bastardos Inglórios (Inglorious Basterds 2009)

     Filme de 2009 do premiado diretor norte americano Quentin Tarantino, Bastardos Inglórios é uma obra prima do cinema moderno, tendo sido indicado para o Oscar nas categorias de Melhor Diretor e Melhor Roteiro Original.
     Nascido em Knoxville, no Tenesse, em 27 de março de 1963, Tarantino tornou-se mundialmente famoso ao ganhar o Oscar de Melhor Roteiro Original por Pulp Fiction, filme policial de 1994. Dono de um estilo original, o diretor tem em sua videografia os maravilhosos Kill Bill volumes 1 e 2, Cães de Aluguel, seu primeiro filme, Sin City (a cidade do pecado), À prova de morte, Grande Hotel e Jackie Brown.
     Bastardos inglórios, traz de volta o estilo Tarantino que consiste em violência, agressão física e crueldade, além de detalhes inconfundíveis como a posição excêntrica da câmera, os diálogos verborrágicos e a criatividade crua. Derramar sangue é a regra nos filmes desse premiado diretor e os diálogos geralmente trazem muitos palavrões e conteúdo obsceno. No entanto, mesmo que não pareça, tudo é feito por um ponto de vista incrivelmente belo e a arte flui através de todo esse conteúdo aparentemente agressivo.
     Em bastardos inglórios, além de imprimir sua inconfundível marca, Tarantino demonstra muita criatividade ao inserir cenas dentro de outras cenas, como na taverna onde, enquanto vemos a mesa cheia à direita da tela, surge um espaço à esquerda da tela, em menores proporções, mostrando a chegada dos bastardos; a existência de setas e de legendas introduzindo e demonstrando os personagens; e cenas que param para haver uma rápida explicação sobre um personagem que é introduzido na história.
     A divisão em capítulos também é uma marca de Tarantino, encontrada também em Kill Bill. Quanto ao final do filme, é impressionante.
     Reescrever a história? Tarantino pode!!!

sábado, 24 de julho de 2010

Decisões extremas (Extraordinary measures)

     Filme de 2010, do diretor Tom Vaughan, aborda a história real da luta de um casal que tem dois filhos com uma rara doença de acúmulo e degenerativa, a Doença de Pompe.


     Uma doença de depósito lisossômico, um erro inato do metabolismo do glicogênio, essa doença era fatal até a descoberta de uma forma de se repor a enzima defeituosa, a alfa-glicosidase-ácida. A deficiência da função dessa enzima leva ao acúmulo de glicogênio no interior dos lisossomos, o que é particularmente danoso às células musculares cardíacas, esqueléticas, e aos neurônios, manifestando-se por fraqueza muscular progressiva (com comprometimento, inclusive, do diafragma, o que leva à insuficiência respiratória progressiva do tipo II), insuficiência cardíaca progressiva e déficit neurológico.


     O filme mostra, sem cair na mesmice do sentimentalismo gratuito e nem, pelo contrário, posicionar-se distante do sofrimento das crianças, a luta de um pai determinado a financiar pesquisas para encontrar uma cura para a doença.


     Abordando vários aspectos-chave, como a dificuldade de se lidar com profissionais extremamente temperamentais e de se trabalhar contra o tempo e as expectativas de vida estabelecidas há décadas, o filme mostra as dificuldades e conflitos do mundo das pesquisas farmacêuticas. A rentabilidade do empreendimento como um fator limitante da descoberta de drogas-órfãs (solitárias no tratamento de uma determinada doença), as questões éticas de se ter um pesquisador ou administrador envolvido com as finalidades da pesquisa (conflito de interesses), os fatores de exclusão/inclusão em um determinado estudo e a possibilidade de estudo com irmãos, como uma esperança para os irmãos Crowley.
     Harrison Ford está impecável como o Dr. Stonehill. Com uma atuação fantástica, o ator se engajou num estudo aprofundado sobre a doença e a atuação da enzima, convencendo os expectadores de que é um pesquisador competente.
    Brendan Fraser interpreta John Crowley, o pai das crianças com Pompe e o protagonista da história. Mostra que também é excelente em dramas, da mesma forma como o é em comédias.


     Filme de extremo bom gosto, que mostra a indústria farmacêutica como um mal necessário, com regras aparentemente injustas, mas que têm por objetivo sustentar sua credibilidade e garantir boas descobertas.

sábado, 17 de julho de 2010

Ensaio sobre a cegueira, O livro



Certamente o melhor livro que já li em toda a minha curta vida.


Trata-se de uma narrativa extremamente dinâmica e cinética que envolve o leitor pelos laços indissolúveis da curiosidade. A escrita peculiar de Saramago, com a inserção dos diálogos nos parágrafos sem ser introduzidos por travessões ou qualquer outro sinal gráfico e a separação das falas dos diversos personagens por vírgulas pode ser enebriante ao primeiro contato, mas de forma alguma se torna um impecilho diante da fascinante viagem pela história que se desenrola bem diante de nossos olhos.



Utilizando-se de toda a sua criatividade, o autor cria uma alegoria através da qual consegue expor todas as nuances do comportamento humano ao criar uma epidemia impensável de cegueira branca (epidemia em seu significado mais puro; mais que isso, uma doença que rapidamente se espalhou a todos os habitantes da cidade fictícia da história) que nos levará a refletir sobre aspectos ocultos das capacidades humanas perante estados de extrema necessidade.


Em um cenário onde o importante é a sobrevivência, o leitor vê desmoronar, uma a uma, as diretrizes da vida social milenarmente construídas. A partir de então, "desvios de conduta" são passivamente observados sem que haja outras possibilidades. Por exemplo, ao serem obrigadas a prestar serviços sexuais em troca de comida, as mulheres não têm outra opçãomque não aceitar e se sujeitar, passivamente; e esse fato, de forma alguma, chega a manchar a integridade dessas mulheres. O orgulho dos homens, por outro lado, pouco se modifica perante a essa nova situação em que condutas sociais e regras de convívio são reescritas. Os menos plásticos são os personagens masculinos.


Nesse mesmo contexto, a protagonista do romance se destaca página a página por suas infindáveis qualidades para, no clímax da história, protagonizar uma cena esperada: assassinar o homem que as estavam subjugando e abusando. Mostrados em paralelo estão, então, a extrema generosidade dessa mulher em se dispor voluntariamente a guiar e auxiliar um grupo de cegos e a capacidade de assassinar seu autoproclamado tirano.


Durante a narrativa, o autor nos põe em contato com essa fantástica personagem, a mulher do médico, uma mulher extremamente corajosa, disposta a tudo para fornecer apoio incondicional ao seu marido, na extremamente bem elaborada cena em que ela finge estar cega para ser posta em quarentena em um manicômio abandonado para poder cuidar dele. Pelo marido ela tem sua liberdade e direitos civis básicos restritos (alimentação, saúde). Ela, que é a mais fantástica personagem já criada pela literatura mundial, demonstra ao longo da narrativa, toda a sua perspicácia em diálogos incrivelmente sagazes e elaborados, e mantém sua lucidez mesmo diante do caos total.


Frente a situações inesperadas (admitamos que uma epidemia de cegueira branca é um tanto quanto rara) nas quais os personagens se veem abandonados à sua própria sorte, Saramago os mostra despidos de sua 'casca' social para que o leitor possa se ver nesses personagens universais, que não têm nome nem pertencem a lugar algum, não são ninguém e, ao mesmo tempo, são todos e cada um de nós.


Enxerguemo-nos!





quarta-feira, 14 de julho de 2010

Ensaio Sobre a Cegueira (Blindness 2008)



     Baseado na obra homônima de José Saramago, esse filme de 2008 foi filmado em São Paulo e Osasco, no Brasil, em Montevidéu no Uruguai e em Toronto no Canadá. Dirigido por Fernando Meirelles, mesmo diretor de Cidade de Deus e de O Jardineiro Fiel, o filme carrega o desafio de imputar cores (todas elas) à cegueira branca de Saramago, tornando-a visível e presente em nossas almas inquietas, materializando e, ao mesmo tempo, desmaterializando personagens e nuances construídas singularmente a cada página da rica narrativa.

      Ao contrário das demais obras cinematográficas baseadas em livros, que apresentam qualidade visivelmente inferior a esse, Ensaio Sobre a Cegueira tem a peculiaridade de acrescentar valiosas cenas à obra de Saramago, que, por abordar a cegueira como ponto principal, merece ao mesmo tempo ser representado em tela a partir do ponto de vista do autor, para fins de comparação com o que se pretendia mostrar ou causar. Por incrível que possa parecer, o filme consegue complementar o livro.

     Contando com as fantásticas atuações de Mark Ruffalo como o médico oftalmologista que durante toda a história se encarrega de tomar uma liderança secundária e frágil da situação inusitada que foge ao controle e ao alcance de todos; de Gael García Bernal, como o rei da terceira camarata e responsável pela parte mais maravilhosamente densa da narração; e Julianne Moore que interpreta a protagonista da trama, a mulher do médico; trata-se de uma obra prima audiovisual que enche os olhos e tira a respiração.

     Saramago põe uma mulher no ponto mais alto de sua narrativa por quase toda a trama e mostra o médico como subordinado à mulher por necessidade. Essa mulher fantástica assume a responsabilidade por uma camarata inteira de cegos e, consegue mostrar-se à flor da pele e ao mesmo tempo, incrivelmente equilibrada diante de uma situação tão adversa, que expõe todos às suas verdadeiras essências. Cegos e selvagens.
  
  Puro. Inquietante. Desafiador.


     

domingo, 4 de julho de 2010

Beleza Roubada (Stealing Beauty)

     Filme de 1996 dirigido por Bernardo Bertolucci, premiado diretor italiano de grande renome ganhador do Oscar de melhor Roteiro Adaptado por O Último Imperador, ganhando também o Globo de Ouro de melhor Roteiro pelo mesmo filme, entre outros prêmios.

     Beleza Roubada é uma obra prima para os amantes do cinema-arte, pois incute beleza em cada centímetro da tela.

     Com uma técnica mais rudimentar de filmagem e isento do glamour das câmeras, as belezas naturais são exarcebadas. O primeiro ponto alto do filme foi a escolha de Liv Tyler para interpretar a protagonista Lucy, uma moça dotada de tamanha beleza natural que não se faria possível com a escolha de uma atriz comprometida pelo glamour hollywoodiano. Liv traz a forma crua da sensualidade feminina despontando de uma puberdade recém vivida, mesmo sendo mostrada babando durante o sono.

     É incrível a forma como Bertolucci busca a beleza de assuntos banais, como no enredo desse filme, que aborda a busca de uma jovem por informações de seu passado, sobre quem ela é por meio da descoberta do seu verdadeiro pai.

     A presença de Lucy, uma jovem americana intensa, cheia de vida traz uma inquietude indizível para os moradores da pequena cidade italiana de origem de sua mãe. Sua beleza é tão exposta que ela atrai os olhares de todos ao seu redor e se mostra bela nas mais diversas situações, como quando fala de boca cheia, dança de forma desengonçada, canta sem muita preocupação com a afinação de sua voz, fuma maconha ou vomita. Ela é visceralmente bela.
     Com sua chegada ela acaba pondo em cheque toda a estabilidade e adquire diferentes representações para cada um dos personagens. Para Alex, paciente terminal, ela foi "A incrível frivolidade dos moribundos".

     Do cenário e da técnica de Bertolucci ressalto a preferência pelos detalhes, a ponto de se deter numa cadeira em queda e no penetrante e expressivo olhar de Liv Tyler por várias e repetidas vezes, aproveitando o máximo da expressividade da atriz quanto possível; e a opção pelo sugerir-mas-não-falar que domina a narrativa, quando, mais uma vez, se fazem presentes os olhares inundados de significados. É um filme que toma emprestado da Itália as mais belas paisagens naturais para mostrar todo o não-dito da trama.

     A beleza da arte margeia o feio, o estranho, o bizarro, o repugnante, incorporados no personagem de Ian, o artista da história.
     Instigante, intrigante, belo, visceral, puro, sugetivo, expressivo, Bertolucci!!!

Texto de Responsabilidade total de Natália Suellen Braga da Silva.