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Uma eterna curiosa. E uma amante da vida, em sua mais pura expressão.

sábado, 24 de julho de 2010

Decisões extremas (Extraordinary measures)

     Filme de 2010, do diretor Tom Vaughan, aborda a história real da luta de um casal que tem dois filhos com uma rara doença de acúmulo e degenerativa, a Doença de Pompe.


     Uma doença de depósito lisossômico, um erro inato do metabolismo do glicogênio, essa doença era fatal até a descoberta de uma forma de se repor a enzima defeituosa, a alfa-glicosidase-ácida. A deficiência da função dessa enzima leva ao acúmulo de glicogênio no interior dos lisossomos, o que é particularmente danoso às células musculares cardíacas, esqueléticas, e aos neurônios, manifestando-se por fraqueza muscular progressiva (com comprometimento, inclusive, do diafragma, o que leva à insuficiência respiratória progressiva do tipo II), insuficiência cardíaca progressiva e déficit neurológico.


     O filme mostra, sem cair na mesmice do sentimentalismo gratuito e nem, pelo contrário, posicionar-se distante do sofrimento das crianças, a luta de um pai determinado a financiar pesquisas para encontrar uma cura para a doença.


     Abordando vários aspectos-chave, como a dificuldade de se lidar com profissionais extremamente temperamentais e de se trabalhar contra o tempo e as expectativas de vida estabelecidas há décadas, o filme mostra as dificuldades e conflitos do mundo das pesquisas farmacêuticas. A rentabilidade do empreendimento como um fator limitante da descoberta de drogas-órfãs (solitárias no tratamento de uma determinada doença), as questões éticas de se ter um pesquisador ou administrador envolvido com as finalidades da pesquisa (conflito de interesses), os fatores de exclusão/inclusão em um determinado estudo e a possibilidade de estudo com irmãos, como uma esperança para os irmãos Crowley.
     Harrison Ford está impecável como o Dr. Stonehill. Com uma atuação fantástica, o ator se engajou num estudo aprofundado sobre a doença e a atuação da enzima, convencendo os expectadores de que é um pesquisador competente.
    Brendan Fraser interpreta John Crowley, o pai das crianças com Pompe e o protagonista da história. Mostra que também é excelente em dramas, da mesma forma como o é em comédias.


     Filme de extremo bom gosto, que mostra a indústria farmacêutica como um mal necessário, com regras aparentemente injustas, mas que têm por objetivo sustentar sua credibilidade e garantir boas descobertas.

sábado, 17 de julho de 2010

Ensaio sobre a cegueira, O livro



Certamente o melhor livro que já li em toda a minha curta vida.


Trata-se de uma narrativa extremamente dinâmica e cinética que envolve o leitor pelos laços indissolúveis da curiosidade. A escrita peculiar de Saramago, com a inserção dos diálogos nos parágrafos sem ser introduzidos por travessões ou qualquer outro sinal gráfico e a separação das falas dos diversos personagens por vírgulas pode ser enebriante ao primeiro contato, mas de forma alguma se torna um impecilho diante da fascinante viagem pela história que se desenrola bem diante de nossos olhos.



Utilizando-se de toda a sua criatividade, o autor cria uma alegoria através da qual consegue expor todas as nuances do comportamento humano ao criar uma epidemia impensável de cegueira branca (epidemia em seu significado mais puro; mais que isso, uma doença que rapidamente se espalhou a todos os habitantes da cidade fictícia da história) que nos levará a refletir sobre aspectos ocultos das capacidades humanas perante estados de extrema necessidade.


Em um cenário onde o importante é a sobrevivência, o leitor vê desmoronar, uma a uma, as diretrizes da vida social milenarmente construídas. A partir de então, "desvios de conduta" são passivamente observados sem que haja outras possibilidades. Por exemplo, ao serem obrigadas a prestar serviços sexuais em troca de comida, as mulheres não têm outra opçãomque não aceitar e se sujeitar, passivamente; e esse fato, de forma alguma, chega a manchar a integridade dessas mulheres. O orgulho dos homens, por outro lado, pouco se modifica perante a essa nova situação em que condutas sociais e regras de convívio são reescritas. Os menos plásticos são os personagens masculinos.


Nesse mesmo contexto, a protagonista do romance se destaca página a página por suas infindáveis qualidades para, no clímax da história, protagonizar uma cena esperada: assassinar o homem que as estavam subjugando e abusando. Mostrados em paralelo estão, então, a extrema generosidade dessa mulher em se dispor voluntariamente a guiar e auxiliar um grupo de cegos e a capacidade de assassinar seu autoproclamado tirano.


Durante a narrativa, o autor nos põe em contato com essa fantástica personagem, a mulher do médico, uma mulher extremamente corajosa, disposta a tudo para fornecer apoio incondicional ao seu marido, na extremamente bem elaborada cena em que ela finge estar cega para ser posta em quarentena em um manicômio abandonado para poder cuidar dele. Pelo marido ela tem sua liberdade e direitos civis básicos restritos (alimentação, saúde). Ela, que é a mais fantástica personagem já criada pela literatura mundial, demonstra ao longo da narrativa, toda a sua perspicácia em diálogos incrivelmente sagazes e elaborados, e mantém sua lucidez mesmo diante do caos total.


Frente a situações inesperadas (admitamos que uma epidemia de cegueira branca é um tanto quanto rara) nas quais os personagens se veem abandonados à sua própria sorte, Saramago os mostra despidos de sua 'casca' social para que o leitor possa se ver nesses personagens universais, que não têm nome nem pertencem a lugar algum, não são ninguém e, ao mesmo tempo, são todos e cada um de nós.


Enxerguemo-nos!





quarta-feira, 14 de julho de 2010

Ensaio Sobre a Cegueira (Blindness 2008)



     Baseado na obra homônima de José Saramago, esse filme de 2008 foi filmado em São Paulo e Osasco, no Brasil, em Montevidéu no Uruguai e em Toronto no Canadá. Dirigido por Fernando Meirelles, mesmo diretor de Cidade de Deus e de O Jardineiro Fiel, o filme carrega o desafio de imputar cores (todas elas) à cegueira branca de Saramago, tornando-a visível e presente em nossas almas inquietas, materializando e, ao mesmo tempo, desmaterializando personagens e nuances construídas singularmente a cada página da rica narrativa.

      Ao contrário das demais obras cinematográficas baseadas em livros, que apresentam qualidade visivelmente inferior a esse, Ensaio Sobre a Cegueira tem a peculiaridade de acrescentar valiosas cenas à obra de Saramago, que, por abordar a cegueira como ponto principal, merece ao mesmo tempo ser representado em tela a partir do ponto de vista do autor, para fins de comparação com o que se pretendia mostrar ou causar. Por incrível que possa parecer, o filme consegue complementar o livro.

     Contando com as fantásticas atuações de Mark Ruffalo como o médico oftalmologista que durante toda a história se encarrega de tomar uma liderança secundária e frágil da situação inusitada que foge ao controle e ao alcance de todos; de Gael García Bernal, como o rei da terceira camarata e responsável pela parte mais maravilhosamente densa da narração; e Julianne Moore que interpreta a protagonista da trama, a mulher do médico; trata-se de uma obra prima audiovisual que enche os olhos e tira a respiração.

     Saramago põe uma mulher no ponto mais alto de sua narrativa por quase toda a trama e mostra o médico como subordinado à mulher por necessidade. Essa mulher fantástica assume a responsabilidade por uma camarata inteira de cegos e, consegue mostrar-se à flor da pele e ao mesmo tempo, incrivelmente equilibrada diante de uma situação tão adversa, que expõe todos às suas verdadeiras essências. Cegos e selvagens.
  
  Puro. Inquietante. Desafiador.


     

domingo, 4 de julho de 2010

Beleza Roubada (Stealing Beauty)

     Filme de 1996 dirigido por Bernardo Bertolucci, premiado diretor italiano de grande renome ganhador do Oscar de melhor Roteiro Adaptado por O Último Imperador, ganhando também o Globo de Ouro de melhor Roteiro pelo mesmo filme, entre outros prêmios.

     Beleza Roubada é uma obra prima para os amantes do cinema-arte, pois incute beleza em cada centímetro da tela.

     Com uma técnica mais rudimentar de filmagem e isento do glamour das câmeras, as belezas naturais são exarcebadas. O primeiro ponto alto do filme foi a escolha de Liv Tyler para interpretar a protagonista Lucy, uma moça dotada de tamanha beleza natural que não se faria possível com a escolha de uma atriz comprometida pelo glamour hollywoodiano. Liv traz a forma crua da sensualidade feminina despontando de uma puberdade recém vivida, mesmo sendo mostrada babando durante o sono.

     É incrível a forma como Bertolucci busca a beleza de assuntos banais, como no enredo desse filme, que aborda a busca de uma jovem por informações de seu passado, sobre quem ela é por meio da descoberta do seu verdadeiro pai.

     A presença de Lucy, uma jovem americana intensa, cheia de vida traz uma inquietude indizível para os moradores da pequena cidade italiana de origem de sua mãe. Sua beleza é tão exposta que ela atrai os olhares de todos ao seu redor e se mostra bela nas mais diversas situações, como quando fala de boca cheia, dança de forma desengonçada, canta sem muita preocupação com a afinação de sua voz, fuma maconha ou vomita. Ela é visceralmente bela.
     Com sua chegada ela acaba pondo em cheque toda a estabilidade e adquire diferentes representações para cada um dos personagens. Para Alex, paciente terminal, ela foi "A incrível frivolidade dos moribundos".

     Do cenário e da técnica de Bertolucci ressalto a preferência pelos detalhes, a ponto de se deter numa cadeira em queda e no penetrante e expressivo olhar de Liv Tyler por várias e repetidas vezes, aproveitando o máximo da expressividade da atriz quanto possível; e a opção pelo sugerir-mas-não-falar que domina a narrativa, quando, mais uma vez, se fazem presentes os olhares inundados de significados. É um filme que toma emprestado da Itália as mais belas paisagens naturais para mostrar todo o não-dito da trama.

     A beleza da arte margeia o feio, o estranho, o bizarro, o repugnante, incorporados no personagem de Ian, o artista da história.
     Instigante, intrigante, belo, visceral, puro, sugetivo, expressivo, Bertolucci!!!

Texto de Responsabilidade total de Natália Suellen Braga da Silva.